A criançada entra na sala eufórica. Você se acomoda na mesa enquanto espera que os alunos se sentem, retirem o material da mochila e se acalmem para a aula começar. Nesse meio tempo, um deles grita bem alto: "Ô, cabeção, passa o livro!" O outro responde: "Peraí, espinha". Em outro canto da sala, um garoto dá um tapinha, "de leve", na nuca do colega. A menina toda produzida logo pela manhã ouve o cumprimento: "Fala, metida!" Ao lado dela, bem quietinha, outra garota escuta lá do fundo da sala: "Abre a boca, zumbi!" E a classe cai na risada.
O nome dado a essas brincadeiras de mau gosto, disfarçadas por um duvidoso senso de humor, é bullying. O termo ainda não tem uma denominação em português, mas é usado quando crianças e adolescentes recebem apelidos que os ridicularizam e sofrem humilhações, ameaças, intimidação, roubo e agressão moral e física por parte dos colegas. Entre as consequências, estão o isolamento e a queda do rendimento escolar. Em alguns casos extremos, o bullying pode afetar o estado emocional do jovem de tal maneira que ele opte por soluções trágicas, como o suicídio.
Há inúmeros exemplos de estudantes que, vítimas de bullying, têm atitudes extremadas. Em janeiro de 2003, Edmar Aparecido Freitas, de 18 anos, entrou no colégio onde tinha estudado e feriu oito pessoas com disparos de revólver calibre 38. Em seguida, matou-se. Atitude semelhante tiveram dois adolescentes norte-americanos na escola Columbine, no Colorado (EUA), em abril de 1999. Após matar 13 pessoas e deixar dezenas de feridos, eles também cometeram suicídio quando se viram cercados pela polícia. Esses casos são um alerta para os educadores. "Os meninos não quiseram atingir esse ou aquele estudante. O objetivo deles era matar a escola em que viveram momentos de profunda infelicidade e onde todos foram omissos ao seu sofrimento", analisa o pediatra Aramis Lopes Neto, coordenador do Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes, desenvolvido pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia). Pesquisa realizada em 11 escolas cariocas pela Abrapia, no Rio de Janeiro, revelou que 60,2% dos casos acontecem em sala de aula.
Como o bullying ainda é tratado como um fenômeno natural, pouquíssimas escolas conhecem e combatem o problema. Porém, sejam meninos, meninas, crianças ou adolescentes, é preciso evitar o sofrimento dos estudantes. A pesquisa da Abrapia revela que 41,6% das vítimas nunca procuraram ajuda ou falaram sobre o problema, nem mesmo com os colegas. “Às vezes, o aluno, quando resolve conversar, não recebe a atenção necessária, pois a escola não acha o problema grave e deixa passar”, alerta Aramis.
No caso daqueles que recorrem à família, a ajuda também não é eficaz. Se os pais reclamam, a direção e os professores tomam medidas pontuais, sem desenvolver um trabalho generalizado, permitindo que o problema se repita. “A escola não deve ser apenas um local de ensino formal mas também de formação cidadã, de direitos e deveres, amizade, cooperação e solidariedade. Agir contra o bullying é uma forma barata e eficiente de diminuir a violência entre estudantes e na sociedade”, conclui o pediatra.
Revista Nova Escola, dezembro 2004, p.58. (adaptado)
Ministério da Educação - Universidade Federal de Santa Maria
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